A falácia do certificado de vacinação em eventos culturais

Locais em Portugal e Reino Unido dizem exigir o comprovante, mas, na entrada, o controle não é nada apropriado (quando há controle)


Depois de meses trancado em casa, você, totalmente imunizado, vence o medo e decide ir a um show, a um festival gastronômico, a um cinema ou a um teatro confiando na organização do evento, que diz ser obrigatório o certificado de vacinação para todos que estiverem ali. Mas o que se vê é uma total falta de responsabilidade e de respeito às regras, ao menos em dois locais de Portugal e do Reino Unido, visitados pelo Culturice em novembro.

Coliseu dos Recreios, em Lisboa, tem capacidade para mais de 4.000 pessoas e não confere o certificado de vacinação (reprodução Facebook)

No Coliseu dos Recreios, em Lisboa, o aviso vem em destaque no site: “É obrigatória a apresentação do Certificado Digital Covid da União Europeia ou apresentação de resultado de teste negativo para SARS-CoV-2”. Isso porque Portugal exige essas medidas para eventos realizados em locais com lotação acima de 1.000 espectadores (em ambientes fechados) e 5.000 (ao ar livre). O Coliseu é fechado e pode receber mais de 4.000 pessoas.

Pois bem. Durante a apresentação de Gilberto Gil por lá, no dia 2 de novembro, o funcionário da casa de espetáculos até estava pedindo para ver o certificado de vacinação. Na minha vez, mostrei o meu pelo celular, mas ele mal olhou para a tela e já me deixou entrar. Não checou o que estava escrito, não viu qual nome estava lá e muito menos verificou minha identificação para saber se o documento era realmente meu.

Ou seja, qualquer pessoa pode usar o certificado de qualquer outra, ou até pegar um modelo pela internet, sem nada preenchido, que vai passar. Ou seja, qualquer pessoa não vacinada pode entrar normalmente. Ou seja, quem estiver dentro daquele local fechado vai correr mais riscos de ser infectado por coronavírus. Inaceitável.

O certificado digital de vacinação da União Europeia é exigido em eventos culturais de grandes proporções (Reprodução)

Outro exemplo de como a obrigatoriedade dos passaportes de vacinação é só para “inglês ver” aconteceu em Londres, no Reino Unido. De 18 a 20 de novembro, fui a três dias de eventos do Taste of London, um dos principais festivais de gastronomia do mundo. O site também trazia a informação clara: só entraria no local (Tobacco Dock) quem apresentasse prova de vacinação completa, teste negativo ou prova de imunidade.

Ambiente do Taste of London em novembro deste ano; apesar de receber milhares de pessoas por dia, evento não conferiu certificado de vacinação da forma correta – ou sequer pediu (Fabiana Seragusa/Culturice)

No primeiro dia, o funcionário disse para ficar com o passaporte da vacina na mão porque depois iriam checar. Ninguém checou. No segundo dia, pediram para ver o certificado, eu mostrei pelo celular e, assim como aconteceu em Lisboa, sequer olharam para a tela e já deixaram entrar. Não deu para ver meu nome, informações sobre as vacinas, data de expiração do documento (porque ele expira), nada. Podia estar escrito em japonês, podia ser de qualquer pessoa. No terceiro dia, ninguém nem fez nenhuma menção sobre o certificado, todo mundo entrou direto.

Milhares e milhares de pessoas estiveram aglomeradas todos os dias em lugares fechados durante o evento, e, obviamente, deixar entrar apenas pessoas vacinadas deixaria todo mundo mais seguro por lá. Não seguiram as regras e deixaram todos expostos ainda mais ao vírus.

Fachada do Taste of London, um dos principais festivais de gastronomia do mundo (Fabiana Seragusa/Culturice)

Entramos em contato com a administração do Coliseu dos Recreios e com a assessoria do Taste of London por diversas vezes, mas nenhum dos dois respondeu, preferiram ignorar o assunto. Assim como ignoraram os protocolos e colocaram todos em perigo.

Lembrando que nesta quinta (25) o governo de Portugal anunciou novas medidas sociais de prevenção ao coronavírus, já que os casos vêm subindo e passaram de 3.000 por dia (em outubro, o número chegou a 193). 

E o Reino Unido continua com um número estrondoso de casos diários (mais de 40.000) e cerca de 150/200 mortos por dia, o que seria correspondente a uns 600 no Brasil, se levarmos em conta o número de habitantes.

O quanto essa falta de cumprimento das regras sanitárias, observada no Coliseu e no Taste, contribui para o avanço da pandemia? O que custa fazer o básico, que é conferir o certificado de vacinação das pessoas? Por que essa falta de responsabilidade? Perguntas cujas respostas podem explicar o motivo de não conseguirmos sair do estado de emergência no mundo todo. 

Ao não conferir o certificado de vacinação, Taste of London colocou milhares de visitantes em risco (Fabiana Seragusa/Culturice)